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Batatas Cozidas com Bacalhau

Mais de metades das crianças, em Portugal, passam até 12 horas por dia nas creches e infantários. Segundo a OCDE a “excessiva institucionalização” pode comprometer o desenvolvimento das crianças.
Por estes dias, o INE veio dizer-nos que 17,2 da população estava risco de pobreza em 2018. Muitos do que estão nesta situação são mulheres e homens que trabalham mas que os baixos salários que auferem não lhes permite sair da pobreza.

Por outro lado, os sem-abrigo continuam assim mesmo, sem abrigo com o seu número num patamar muito elevado. Se a isto juntarmos os muitos milhares que vivem em habitações muito precárias só temos motivos para nos envergonharmos enquanto sociedade.
Porque é que isto é assim?

A verdade é que há quem de forma séria, empenhada e solidária procure minorar as situações mais extremas de pobreza e exclusão social. Porém, se não fossem as transferências sociais relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social o risco de pobreza era superior em 5,4%. Já os os rendimentos provenientes de pensões de reforma e sobrevivência contribuíram em 2018 para um decréscimo de 20,7% no risco de pobreza.

Ora isto mostra bem que medidos voluntaristas, necessárias sem dúvida, para ocorrer no imediato às mais gritantes necessidades não só nada resolvem como perpetuam as situações de exclusão e pobreza.

De pouco serve nos indignarmos pelo facto de as nossas crianças passarem 12 horas em creches ou infantários quando as leis laborais são alteradas tornando mais gravosas as condições de trabalho. Horários mais longos, grande flexibilidade e precariedade laboral, ou a conivência social (patronato e o poder político) com a discriminação de que são alvo as mães trabalhadores.

Por outro lado os baixos salários, a guerra sempre activa do patronato e da direita contra o aumento do salário mínimo nacional para valores decentes mostram bem como a aposta é mais na caridadezinha do que em reformas estruturais que ponham fim à pobreza e à exclusão social.

Não venham dizer que não há dinheiro. A verdade é que na União Europeia (com a conivência do governo português) há mais de dois anos está na gaveta uma lei que visa combater a evasão fiscal, Que visa evitar que a riqueza produzida, por exemplo no nosso país, seja tributada em países terceiros – com a deslocação fictícia das sedes das empresas – roubando assim milhões de euros em impostos aos portugueses em benefício da ganância dos accionistas das grandes empresas para quem a sua pátria é o dinheiro.

Dinheiro que não falta, como sabemos, para financiar os desmandos e os roubos da banca e de todo o sistema financeiro.

Os portugueses desviaram cerca de 50 mil milhões de euros para offshores entre 2001 e 2016, tornando-se o terceiro país da União Europeia que mais riqueza transferiu para paraísos fiscais de acordo com estudos da própria Comissão Europeia.

Apesar disto, as promessas de combate aos offshores feitas pela União Europeia não passam, como diria Sérgio Godinho, de “promessas assinadas em papel molhado”.

É de facto muito afectuoso que o Presidente da República se desdobre em visitas aos sem-abrigo e que muitos outros se indignem com o facto das crianças portuguesas passaram 12 horas nas creches e infantários. A verdade é que isto é muito pouco, ou mesmo nada, se continuamos com políticas de baixos salários, com impostos que penalizam os rendimentos do trabalho, com precariedade laboral, ou com uma legislação laboral que discrimina as mulheres e mães trabalhadoras e aumenta as cargas horárias e diminui o tempo disponível das famílias.

Segundo a Forbes 56% da riqueza total do nosso país está nas mãos dos 10 portugueses mais ricos. Ora isto, mostra bem como a distribuição da riqueza está longe de ser equitativa.

Pois é, estamos a chegar ao Natal mas a verdade é que não basta, uma vez por ano distribuir uma fatia de bolo-rei e uma refeição de batatas cozidas com bacalhau. É pouco, mesmo muito pouco já que o essencial – ou seja a injustiça e a pobreza – permanecem.

Foto de publicação da Ordinariato Castrense de Portugal

 

de  O Navio de Espelhos