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Em Defesa da Corrupção

“Os offshore são um dos instrumentos privilegiados para os corruptos. Os offshore servem, basicamente, para lavar dinheiro de todo o tipo de negócios dos mais abjectos que se possa imaginar. Por lá passam milhões e milhões do tráfico de droga, de armas, de seres e órgãos humanos. Servem ainda para encobrir a evasão fiscal e o branqueamento de capitais.”

A decisão do juiz Ivo Rosa de não pronunciar José Sócrates pelos crimes de corrupção, no processo Marquês, desencadeou um coro indignado de protesto.

Não querendo discutir questões jurídicas de carácter técnico, como as que se referem aos prazos de prescrição, a verdade é que o juiz considera que Sócrates é corrupto e que a sua narrativa sobre os dinheiros que lhe chegaram às mãos não é minimamente credível.
Não se percebe, aliás, o triunfalismo bacoco de Sócrates já que só não foi pronunciado por alguns dos crimes por estes estarem prescritos. A bazófia de Sócrates é conhecida.
Aliás, o juiz ao ter separado vários processos do megaprocesso principal permite que, desde já, Sócrates e outros dos arguidos possam ser de imediato levados a julgamento pelos crimes de que foram pronunciados.   

Olhando mais para a árvore e não vendo a floresta, alguns milhares de pessoas subscreveram uma petição exigindo a exoneração do juiz Ivo Rosa. Para além do despropósito de tal exigência, o que tal posição demonstra é que parte da opinião pública olha mais para o mediatismo de uma ou outra situação, esquecendo o cerne da questão no que ao combate à corrupção diz respeito.

A corrupção estará sempre em alta, bem defendida enquanto dispuser de instrumentos legais que proporcionam facilidades para que tal se concretize.

Os offshore são um dos instrumentos privilegiados para os corruptos. Os offshore servem, basicamente, para lavar dinheiro de todo o tipo de negócios dos mais abjectos que se possa imaginar. Por lá passam milhões e milhões do tráfico de droga, de armas, de seres e órgãos humanos. Servem ainda para encobrir a evasão fiscal e o branqueamento de capitais.

Um estudo da Comissão Europeia dá conta de que, em média, foram desviados em Portugal cerca de 50 mil milhões de euros pelas famílias mais ricas entre 2001 e 2016, o equivalente a um quarto do PIB nacional. Em percentagem do PIB, Portugal é o terceiro país da União Europeia (UE) que mais riqueza transferiu para paraísos fiscais. “O montante da receita fiscal perdida ultrapassa os 1,3 mil milhões de euros entre 2004 e 2016 (1% do PIB português).” (dinheiro  vivo de 24/10/2019)

Por outro lado, há um vasto conjunto de legislação que permite todo o tipo de procedimentos legais que concorrem para acomodarem todo o tipo de fraudes como a que, recentemente, a EDP lançou mão para não pagar 110 milhões de euros de impostos com a venda de barragens. Ou, como sucede com as vacinas contra o Covid 19. Estas foram desenvolvidas com dinheiros públicos e agora quem põe e dispõe a seu belo prazer são as farmacêuticas, com os governos e as instituições da União Europeia a soçobrarem perante os interesses desta poderosa indústria.

 E já nem vale a pena falar num grande conjunto de situações que beneficiam de forma escandalosa a Banca e os sectores económicos mais poderosos.

Como tal, mais do que petições para exigir o afastamento do juiz, ou fazer coro com o clamor populista da extrema direita seria bem melhor exigir uma revolução profunda na arquitectura do sistema financeiro, económico e político que pusesse fim aos offshore e a toda a legislação que possibilita, acolhe e encobre a corrupção.

Para tal, há que fazer escolhas políticas que se proponham fazer uma ruptura com o “status quo” vigente. Políticas que ponham fim a todos estes instrumentos que favorecem a corrupção. Políticas que combatam a pobreza, as desigualdades, o racismo, a xenofobia e a misoginia.

Porém, uma parte da opinião pública é muito mais dada a criticar ferozmente o que está na crista da onda, do que a lutar para alterar profundamente o quadro político e social responsável pela situação a que se chegou. Vêem a árvore sem ver a floresta.

Demitem-se desta luta e preferem confiar nos mais sórdidos vendedores de banha da cobra dos tempos que correm.