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ADSE Uma radiografia do negócio

Como já é do conhecimento geral a ADSE estabeleceu com os hospitais privados uma Convenção que regulamenta a prestação dos cuidados de saúde por parte daqueles hospitais aos seus beneficiários. Uma das cláusulas desse acordo, proposta pelos hospitais privados, permite que determinados actos médicos possam ser debitados à ADSE pelo preço que estes hospitais entendam, sendo que anualmente estes valores estão sujeitos a regularização. Este regime de regularização prevê que no caso de se verificarem desvios superiores a 10% nos preços médios praticados os hospitais são obrigados a devolver à ADSE os montantes cobrados em excesso. Ora, os quase 39 milhões de euros de que a ADSE, muito justamente, quer ser reembolsada resultam de acertos de contas referentes à regularização de facturas dos anos de 2015 e 2016. Um parecer da Procuradoria-Geral da República dá razão à ADSE na exigência deste reembolso.

Portanto, os hospitais privados sabiam e sabem bem que esta regularização está prevista na Convenção que assinaram. O que talvez esperassem é que ela nunca fosse efectuada e os valores cobrados em excesso apurados nunca fossem exigidos por parte da ADSE. A relação da ADSE com os operadores privados da saúde foi pautada, durante anos e anos, por uma postura displicente, laxista, senão mesmo negligente, que criou um quadro favorecendo todo o tipo de oportunismo. Sucedeu até que muitos operadores privados da saúde aceitaram praticar determinados actos médicos a preços mais baixos com o objectivo de assegurarem Convenções com a ADSE. Em contrapartida cobravam de forma exorbitante os actos médicos que só posteriormente seriam sujeitos a avaliação e a regularização. Na prática, compensavam de forma muito vantajosa para o seu negócio os valores mais baixos que cobravam em alguns serviços com a prática de preços abusivos e excessivos naqueles actos médicos que podiam debitar livremente, confiantes que ninguém ousaria exigir-lhes a prestação de contas consagrada contratualmente. Acontece que actualmente a ADSE é um Instituto Público de Gestão Participada onde os seus subscritores e beneficiários estão representados nos seus órgãos sociais e, ao que parece, com uma exigência na gestão como há anos não tinha. A ADSE é sustentada pelas quotas dos seus subscritores e tem receitas que excedem em alguns milhões as suas despesas. No entanto, a exigência de uma gestão séria e rigorosa é fundamental para assegurar o seu futuro. Para os operadores privados a saúde, logo a ADSE, não é mais do que um negócio e, como tal, procuram retirar o maior lucro possível da sua actividade. Para os beneficiários a ADSE, designadamente para os de menores rendimentos, é a possibilidade de terem acesso com custos mais acessíveis a um serviço de saúde solidário e que lhes dê resposta às suas necessidades. A facturação dos privados da saúde à ADSE situa-se entre os 20 e os 25% do volume total do seu negócio. Os privados não podem prescindir da ADSE. Sabem contudo que os serviços públicos de saúde (SNS) terão muitas dificuldades em responder de imediato a um acréscimo da sua procura por quase mais 2 milhões de utentes beneficiários da ADSE. Daí a sua posição chantagista ao denunciarem unilateralmente a Convenção assinada com três objectivos: 1º – Não reembolsar os 39 milhões de euros cobrados a mais. 2º – Criar condições para que os seus habituais utentes, beneficiários da ADSE continuem a procurar os seus serviços pagos por inteiro no momento da sua prestação, aos preços que eles muito bem entenderem onerando e muito a factura que os doentes terão que pagar do seu próprio bolso, assegurando assim lucros mais chorudos. 3º – Utilizar como arma de arremesso contra o SNS os beneficiários da ADSE procurando levar à rotura os serviços públicos de saúde, tentando que a futura Lei de Bases da Saúde consagre o sector privado como estrutural do sistema de saúde reduzindo à insignificância o SNS. Esta é uma radiografia possível do conflito entre os operadores privados da saúde e a ADSE. Como alguém em tempos disse “quem quer saúde que pague”. Só que constitucionalmente a saúde é um direito fundamental e por isso quem quer fazer dela só um negócio rentável que gera lucros fabulosos que o faça mas com investimentos e recursos próprios e não com o dinheiro, as contribuições e os impostos de todos nós.

[artigo originariamente publicado em "O Navio de Espelhos"]